Histórias de Maldek e o Sistema Solar
"THROUGH ALIEN EYES - Através de Olhos Alienígenas", escrito por Wesley W. Bateman, Telepata da FEDERAÇÃO.
SHARMARIE - UM MARCIANO PARTE 2
MEU AMIGO 63-92
De vez em quando, eu reparava num homem, mais alto do que os baixotes mas
não tão alto quanto eu, andando no meio da multidão. Ele usava uma veste branca
de lã esfarrapada e manchada e carregava uma cabaça negra com estranhos
símbolos brancos grosseiramente pintados. Descobri mais tarde que esses
símbolos representavam os números 63-92.
Sentado apoiado numa parede, sentia-me triste e ansiava por estar novamente
com as pessoas de minha tribo.Coloquei as mãos no rosto para esconder minhas
emoções dos que estavam ao meu redor e chorei. Enquanto chorava, senti alguém
tocar o alto de minha cabeça e dizer o meu nome. Olhei para cima e vi diante de
mim o homem que, daquele momento em diante, eu chamaria apenas de 63-92. Ele me
estendeu a cabaça, da qual nada bebi além de ar. Embora seus lábios não se
movessem, ouvi-o dizer: “Que gosto você quer que tenha?” Lembrei-me de uma
bebida alcoólica suave muito popular em meu mundo natal e imediatamente minha
boca começou a se encher magicamente dela, até que engoli o líquido, então a
manifestação cessou.
Coloquei as pontas dos dedos nos olhos para saudar esse mago da mesma forma
que saudaria alguém como meu professor So-Socrey. Perguntei como ele sabia meu
nome e como conseguia falar comigo sem mexer os lábios. Ele replicou: “Os Els
sabem os nomes de todos, e foram eles que me contaram seu nome. Falo com você
em sua mente. Comunicar-se desse modo é uma capacidade que você acabará por
adquirir depois de chegar a seu destino. Não é assim tão difícil se comunicar
dessa forma. Algumas das pessoas que estão agora a seu redor, que você chama de
baixotes, podem se comunicar facilmente dessa maneira umas com as outras.”
Perguntei fisicamente: “Quem são os Els? Quando serei libertado de meu
encarceramento para poder viajar ao destino do qual você fala?” 63-92 repeliu
minhas perguntas com um gesto e foi-se embora, desaparecendo na multidão.
Em certo momento durante minha prisão, as paredes de meu cárcere começaram
a zumbir e a produzir um som agudo que nos sobressaltava e despertava os que
estivessem dormindo naquela hora. Uma das paredes começou a se deslocar e se
dobrou dos dois lados, formando uma abertura pela qual eu conseguia ver um
panorama maravilhoso. Construções altas e objetos prateados cintilavam à luz do
Sol e pareciam flutuar como penas ao vento ou se deslocar rapidamente pelo céu.
Pode-se dizer que testemunhei o que foi para mim, na época, um céu repleto de
UFOs. Parados numa rampa inclinada para baixo, havia vários daqueles homens de
cabelos brancos fazendo-nos sinais para sairmos. Enquanto descia pela rampa,
voltei-me pala olhar o lugar onde estivera preso. Parecia uma grande casa
circular (maior do que qualquer casa que eu já vira), coberta por listas
horizontais de cores alternadas: vermelho, branco e negro. Por inúmeras janelas
circulares pude ver homens de cabelos brancos olhando para o que era obviamente
seu mundo natal.
De repente, 63-92 estava na minha frente. Ele me instruiu mentalmente a não
ir para a esquerda com os outros, e em vez disso ir pala a direita e ignorar
quem tentasse me dizer outra coisa. Meu instrutor então desapareceu diante de
meus olhos.
Ao virar para a direita, entrei num mercado cheio de bancas e vendedores de
todos os tipos possíveis (a maioria vendia verduras). Fui atraído na direção de
um vendedor de flores que desprendiam um aroma maravilhoso que está além de
minha capacidade de descrição. A meu redor vi outras pessoas trocando um tipo
de dinheiro para fazer suas compras. Embora eu não tivesse esse dinheiro, o
vendedor me deu uma grande flor amarela e me enxotou de sua barraca com um
sorriso. Em cada banca ou loja, davam-me até aquilo pelo qual eu sentia apenas
um ligeiro interesse mental, então me orientavam a ir embora. Logo fiquei
sobrecarregado com meus presentes e me sentei, colocando-os em volta de mim. Em
pouco tempo, as pessoas vinham a mim e apontavam para um ou mais de meus artigos,
entregando-me vários discos-dinheiro de várias cores (como as fichas plásticas
para jogar pôquer). Esses discos me fizeram muito bem: ninguém os tirava de
mim, e sim preferiam me dar o que eu bem quisesse sem eu ter de pagar. Que
mundo!
Minhas viagens acabaram por me levar a uma padaria grande que vendia pães,
bolos e tortas de tipos que nenhum Bar-Rex do meu mundo natal poderia ordenar
que fosse colocado diante dele. Na padaria serviam mulheres e meninas
agradáveis e roliças que me orientaram, com gestos das mãos, a me sentar no
chão num canto (todas as cadeiras eram pequenas demais para eu me sentar). Elas
me trouxeram tudo o que eu desejava, até que não consegui comer mais nada. Uma
senhora elegantemente vestida usando anéis cintilantes desceu as escadas e
mentalmente me pediu para que me fosse. Não discuti com ela.
A noite parecia não chegar nunca nesse mundo. Houve um breve período de
crepúsculo de aproximadamente 29 horas terrestres, seguido de um clareamento
gradual do céu. Experienciei me queimar de Sol pela primeira vez na vida. Um
vendedor de rua, vendo isso, deu-me um vidro grande de loção. Pensei que eu
devia beber a coisa, até que meu benfeitor meneou a cabeça fazendo o movimento
universal que representa não, fazendo uma mímica de como eu deveria aplicar
topicamente a loção na pele. Também ganhei um chapéu de abas largas.
Durante o terceiro crepúsculo depois de minha chegada ao planeta Nodia,
instalei-me num local onde todos pareciam estar comemorando. Podia-se comprar
bebidas que causavam euforia, mas meu copo era enchido continuamente sem eu
pagar nada.
Vi dois homens (não nodianos) serem assassinados. Os corpos dos mortos
tiveram suas roupas e outros pertences tirados e foram levados para outro
lugar. Logo depois, um grupo de homens e mulheres se aproximou de mim (não eram
deste mundo) e mentalmente me ofereceram uma grande soma de dinheiro para eu
matar o assassino, que estava sentado a uma mesa perto dali e continuava a
beber corno se não tivesse feito nada de errado. Mentalmente recusei e também
recusei a oferta de protegê-los contra qualquer futura injúria física que os
homens violentos que também residiam no planeta pudessem lhes causar.
Despertei do torpor causado pela bebida, encontrando-me novamente
encarcerado num poço coberto por grades de metal. Meus inúmeros companheiros de
cela formavam um grupo deplorável de vários tipos de outros mundos. Seus
gemidos, gritos, lamentos e conversas altas eram ensurdecedores. O lugar fedia,
e percebi que provavelmente eu era um dos que mais contribuíam para o mau
cheiro.
As grades que cobriam o poço foram levantadas e o lugar aos poucos ficou
silencioso. Parados à beira do poço, olhando para seu conteúdo humano, havia
três homens de cabelos brancos e várias pessoas de outro mundo acompanhando-os.
Um dos homens de cabelos brancos era jovem (da minha idade, uns 19 anos
terrestres). O jovem de cabelos brancos (nodiano) vestia uma camisa bege lisa e
larga e calças da mesma cor caindo frouxas até os tornozelos. De pé a seu lado,
para minha surpresa, havia outro marciano com uma criatura parecida com um
macaco no ombro, O marciano falou comigo no idioma de minha tribo:
“Aquele ao lado do qual estou oferece a você a liberdade se você o servir
para o resto de sua vida e aceitá-lo como seu único deus.” Pensei mentalmente,
esse camarada é mesmo um bobo convencido. Também cogitei mentir para conseguir
minha liberdade, O cabeça-branca jovem me chamou em voz alta em meu idioma
nativo: “Você não está muito enganado a respeito de quanto me julgo importante.
Venha se unir a nós, marciano. Sou Reyatis Cre’ator.”
Abaixaram uma escada e eu subi por ela para a luz do sol-estrela Sost, e
para o início de uma vida nova e muito emocionante. Trocaram dinheiro com um
grupo de carcereiros e meus companheiros de cela subiram a escada e se
dispersaram em direções diferentes.
Sem dizer outra palavra, o marciano nos deixou. A medida que andávamos, o
aroma de pão quente enchia o ar. Logo chegamos a um de meus lugares preferidos
do planeta Nodia: a padaria onde, em outro tempo, eu fora generosamente
alimentado. Não entramos na padaria, em vez disso, fomos para os fundos do
prédio e subimos uma escada comprida até o quinto e último andar. Atrás de uma
porta lisa havia quartos grandes decorados com mobília e obras de arte lindas
de se ver. Esses alojamentos eram ocupados por poucos nodianos e vários tipos
de pessoas de outros mundos. Havia elevadores que iam até o subsolo, onde havia
corredores e quartos intermináveis cheios de nodianos fazendo uma coisa ou
outra com uma mão enquanto comiam um pedaço de pão quente com a outra.
Todos pareciam receber ordens de um homem ruivo de pele clara chamado
Rick-Charkels e sua companheira Orja. Deram-me um colchão de palha e
Rick-Charkels me disse que eu deveria dormir em uma das sacadas. Depois de eu relutantemente
tomar banho, deram-me roupas novas que eram uma réplica perfeita daquela que
estivera vestindo desde minha chegada no planeta Nodia. Certa manhã, encontrei
nos pés do meu colchão a armadura vermelha que fora responsável por meu exílio
neste lugar de maravilhas e perigos sutis.
Raramente permitiam que eu entrasse nos alojamentos e apenas o fazia para
chegar às escadas que levavam para a rua. Saía de meu alojamento para
acompanhar Rick-Charkels, Orja e sua equipe de cozinha quando faziam suas compras.
Meu objetivo e o da equipe era carregar o saque. Uso o termo “saque” porque os
vendedores não aceitavam pagamento pelos seus produtos e mercadorias, e
respondiam como se estivessem ofendidos se oferecessem pagamento.
Comecei a aprender com facilidade o idioma nodiano, mas descobri que sua
forma de comunicação telepática era frustrante devido a minha falta de
conhecimento de tantos assuntos que exigiam pensamento abstrato.
Certa vez, ao crepúsculo, fui visitado por Rhore, o Marciano, que falara
comigo no dia em que fui libertado do poço por meu benfeitor nodiano. No
início, Rhore tinha acesso aos meus aposentos atravessando os telhados dos
edifícios adjacentes e pulando na sacada de uma distância considerável. Nas
visitas posteriores, usou uma escada como ponte, guardando-a no telhado vizinho
até precisar dela.
Rhore era shem, embora não pertencesse a meu grupo. Ele calculou que estava
no planeta Nodia havia quase onze anos terrestres. Era livre para ir e vir como
bem entendesse e decidiu viver a cerca de 56 quilômetros, numa floresta
povoada por inúmeros tipos diferentes de animais. Ele se locomovia numa
motoneta que voava a aproximadamente um metro e meio do chão, mas não alcançava
a altura dos telhados.
Certa vez, Rhore apontou uma estrela brilhante no céu, que era, na verdade,
o sol que proporcionava luz e calor a nosso mundo natal. Ele me disse que
seriam necessários cerca de 16 dias para o “barco estelar” nodiano chegar a
nosso mundo natal. Disse que um dia gostaria de visitar Marte para arranjar uma
companheira ou duas, mas não para viver lá permanentemente. Fiquei consternado
com sua afirmação e perguntei-lhe por que se sentia assim. Ele disse: “Por que
viver entre os ignorantes quando se pode viver entre os sábios?”
Muitas vezes, ao cair da noite, eu subia na garupa da motoneta de Rhore e
viajávamos para seu lar na floresta e para outros locais de grande beleza
natural. Também visitávamos os lugares onde os barcos estelares eram
construídos e onde existiam colônias de trabalhadores de outros mundos. Essas
excursões e infindáveis conversas com Rhore me ajudaram a entender melhor meu
novo lar e me incutiram o forte desejo de aprender o possível sobre tudo o que
estivesse a meu alcance.
Com Rhore fiquei sabendo que meu benfeitor, Reyatis Cre’ator, era na
realidade um tipo diferente de Bar-Rex. O mistério dos vendedores generosos foi
esclarecido quando Rhore explicou que eles eram, na verdade, sócios de negócios
de Cre’ator. Todo o sistema dos empreendimentos comerciais de Cre’ator
mantinha-se coeso pelo que se poderia chamar o princípio do Chefão: ele fazia a
seus sócios ofertas irrecusáveis. Cre’ator, por vários motivos compreensíveis,
mantinha uma imagem pública muito discreta. Já em sua juventude, ele tivera
cinco filhos: dois meninos e duas meninas com uma mulher que vivia em outro
planeta no mesmo sistema solar, e uma filha com uma bela nodiana que também
estava ausente da casa durante o primeiro ano, mais ou menos, de meu serviço.
No dia em que ela chegou com a filha ruiva (nodianos ruivos são muito raros),
minha vida deu outra reviravolta importante.
Fui incumbido, juntamente com um número considerável de guarda-costas, de
acompanhá-la às compras que, de vez em quando, estendiam-se por todo o mundo e
também pelos planetas próximos. Ela se esquivava da segurança, aventurando-se
em lugares que faziam seus guardas nodianos mais corajosos se encolher. No
início, minha tarefa parecia se resumir em carregar sua filha nas costas ou nos
ombros sempre que a criança me chutasse as pernas. Com o passar do tempo,
descobri que eu poderia delegar essa tarefa a qualquer um dos outros guardas do
séqüito. Logo depois, percebi que eu era o comandante deles. Foi uma revelação
espantosa. Eu fora eleito para o cargo por meus companheiros soldados numa
votação secreta.
Embora a
Senhora Cre’ator ignorasse a segurança, mostrava-se muito interessada em vestir
seus guardas com uniformes escandalosamente coloridos e em encharcá-los com
perfumes caros. Esta última prática foi interrompida quando os “espers” (os que
vasculham mentalmente os arredores à procura de perigos ocultos) se queixaram
que o cheiro estava interferindo em sua capacidade de desempenhar sua função.
Recebi uma sala espaçosa nos alojamentos localizados sobre a padaria. Rhore
tinha permissão de me visitar, contanto que tomasse banho e vestisse roupas
limpas. No começo de nossas relações, Rhore disse-me que ele havia sido trazido
para Nodia por mulheres que encontrara no deserto marciano colhendo os mesmos
bulbos de cactos inebriantes que meu primeiro professor, So-Socrey, tinha em
tal alta conta. Uma das mulheres perguntou a Rohre se ele queria viajar com ela
para mundos distantes onde ela venderia o estoque de cactos. Ele aceitou sem
hesitar sua oferta. O nome da mulher era Martcra, mas era em geral conhecida como
Bandeira Cereja, pois desfraldava uma bandeira com uma cereja vermelha bordada
sempre que aterrissava num mundo e montava uma loja.
Numa visita a Nodia, Bandeira Cereja, devido a circunstâncias legais
imprevistas, julgou necessário partir do planeta às pressas, deixando Rhore
para trás. Ele nunca mais a viu. Foi adotado e sustentado, como eu, pela
ilustre Casa de Cre’ator.
Rhore
instruiu-me no uso de ROMs mentais que me ajudaram a preencher rapidamente
minha mente com conhecimentos e experiências que, usando-se qualquer outro
método, levariam uma eternidade para adquirir. Havia um suprimento inesgotável
desse material mentalmente registrado e eu o absorvia em todos os momentos
livres, quando do não estava a serviço da Senhora Cre’ator.
Um dia, fui acordado do sono por um poderoso comando mental de Reyatis
Cre’ator dizendo-me para ir ao grande salão do conselho. Nunca estivera lá. Ao
chegar, encontrei uma cadeira vazia com meu nome gravado no encosto de couro.
(continua...)
(continua...)
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